terça-feira, 26 de junho de 2007

Raspei-me a cara,
e agora me vejo nu no espelho,
sem aqueles prolixos fios que me faziam barba,
barba de tantos abismos e tantas marcas,
friamente descobertas pela ponta curiosa de uma navalha...

Agora se foram,
raspados e perdidos,
no corte preciso da lâmina afiada...

Minha pele?!
Minha pele não ficou intacta,
apareceram sulcos e precipícios,
de um rosto marcado por tantos vícios e tantas batalhas,
numa guerra sem vencidos ou perdidos,
somente dispersos feridos,
onde a luta não se revela com o outro,
mas consigo...

Raspei-me a cara,
e agora me vejo só e sem barba,
raspado na batalha cortante de todos os dias,
na evidência absoluta que a própria imagem refletida,
não passa de uma face cindida
por entes partidos e salivas navalhas.

Minha pele?!
Minha pele não ficou imaculada,
apareceram outros tantos vestígios de não sei quantas datas,
fitei novamente os olhos espelhos e revi o tempo de cada marca,
rasuras profundas, fendas sentidas, cicatrizes esquecidas...

Afinal!, são tantos os precipícios quanto as vidas...

Minha pele?!
Minha pele é pura escarificação de entes invisíveis,
cirurgiões incansáveis de uma carne nunca suturada,
emendo os retalhos e me vejo uma face multimultifacetada,
composta de tantas peles rasgadas
quanto a vertigem vivida
naquele infinito fundo
de olhar entrevisto
no redemoinho fugaz
da pia d’água.


cortaruas, Desterro, 21 de setembro de 2002.

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