segunda-feira, 25 de junho de 2007

O cego e o minotauro

O labirinto de cimento
Não esconde apenas o horizonte verde
Do por do sol lilás;
Esconde também entre seus infinitos precipícios de concreto
Cem mil olhos de minotauros famintos
Prontos a devorar aqueles corpos cansados e patéticos,
Prontos a arrancar com suas mandíbulas de fogo
As tripas pegajosas daqueles homens mais servis
Porque no labirinto de cimento
valem mais os animais que rastejam
do que homens caminhando sem distinção,
os cegos sabem dos caminhos, sabem de sua distinção,
sabem do labirinto,
sabem dos cantos mais sujos do labirinto,
sabem que no labirinto vivem também os minotauros,
mas os minotauros não comem cegos,
os minotauros preferem se alimentar de homens servis e decadentes,
pois existe um imenso rebanho de sua espécie,
no labirinto de cimento,
cem mil homens não valem um minotauro,
cem mil homens não valem um cego,
não valem o alimento que comem,
mas valem a bosta que cagam,
a merda que falam,
no labirinto de cimento,
os minotauros não são monstros porque não são servis,
monstros são os homens que aprenderam felizes o ofício da servidão,
monstros são aqueles homens que não sabem que são monstros,
porque estão mais ocupados em servir,
mais ocupados em comprar,
mais ocupados em usurpar do que sentir,
mais ocupados em morrer lentamente
do que viver loucamente,
absolutamente os homens são monstros
porque sabem que vão morrer e mesmo assim morrem todos os dias,
servem todos os dias,
os minotauros e os cegos não,
eles sabem que vão morrer e por isso vivem todos os dias,
todos os dias os cegos descobrem um novo lugar neste labirinto,
todos os dias os minotauros encontram homens felizes e o devoram com alegria,
todos os dias cegos e minotauros brindam o grande labirinto dos homens,
pois nesta arquitetura dos perdidos,
os cegos sabem dos seus lugares,
dos seus caminhos sujos e finitos,
sabem que os minotauros há muito tempo
acabaram com os cem mil Teseus e as cem mil Ariadnes,
sabem que os minotauros não são monstros, mas sim, o mais humano dos homens....

cortaruas, São Paulo/Desterro, 2002.

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