terça-feira, 26 de junho de 2007

"(...) Waltercio é um propositor de simulacros em decomposição, armadilhas conceituais, máquina produtora de imagens e textos em perpétuo afundamento. Sob o (d)efeito anestesiante de seus livros, de suas esculturas, de suas imagens para-textos, somos tragados pelo nosso próprio buraco abissal, aberto pela consciência de que para ler, temos que escrever a partir de uma posição aperceptiva do objeto, isto é, perceber o objeto não é olha-lo de perto ou tocá-lo com as mãos, basta que executemos aquilo que Barthes denominou de execução do Texto. Executar o Texto para não ser executado pelo objeto.
Depois de executado, topamos novamente com a inércia de todos os dias, os mesmos objetos em nossos quartos, em nossas salas, as mesmas cozinhas pálidas e banheiros infinitamente brancos, os mesmos quadros, os mesmos livros, aquela cor que com o tempo começa a desbotar da parede entre manchas e fissuras. Todos estão ali, todos aqueles objetos que se afundam na paralisia do cotidiano, que se reproduzem obsessivamente nas imagens de televisão que assombram na mesma medida que paralisam. Entre o terror do desconhecido e o consumo do conhecido, somos assolados por um sentimento de vontade e recalque, de posse e desprendimento, de desejo e renúncia. Queremos fugir, mas não encontramos lugar que nos possa aquietar; o desassossego é maior quando descobrimos que o fantasma que nos persegue se encontra em nosso próprio pensamento: é saber que não sabemos nada, é saber do perigo que corremos quando não sabemos, é saber que a verdade não passa de uma grande e sedutora mentira. Como escapar da linguagem, do seu poder legislativo, dos supostos métodos científicos que nos conduzem a uma interpretação sempre “adequada” e que nunca escapa ao acúmulo de metáforas inquiridoras? Não nos parece muito difícil responder a esta pergunta quando Barthes nos ensina, a partir de Lacan, que “a ‘realidade’ mostra-se, o ‘real’ demonstra-se; do mesmo modo, a obra vê-se (nas livrarias, nos ficheiros, nos programas de exame), o texto demonstra-se, fala-se segundo certas regras (ou contra certas regras); a obra tem-se na mão, o texto tem-se na linguagem” (BARTHES, 1971: 56). A questão não é saber o que escrever, mas como escrever a ladainha que nos ensurdece e nos deixa cegos cotidianamente.
Porque deveríamos escrever sobre a suposta transcendência da arte quando o artista da desconfiança, cansado e ensimesmado repete pra si mesmo: já não ouso as pessoas nas ruas, nas conversas, nos salões de arte, nos vernissages sempre celebrativos e espetaculares; as pessoas se divertem, falam, riem, bebem, comem, e eu não ouso nada; e deveria ouvir alguma coisa; mas eles insistem, não param de falar, se queixam, elogiam-se mutuamente, conspiram uns contra os outros, contra a arte, e, afinal, contra si mesmos."

Trecho da dissertação de mestrado, Dos Livros de Waltercio Caldas aos Textos da crítica contemporânea, defendida em 2003.

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