A cada passo, cem passos,
passos dados ao acaso,
no solo dos (des)cuidados...
A cada passo,
cabis baixo o homem conta o dividendo dos enganados.
A cada passo,
solitário sonhamos o encontro tão esperado.
A cada passo, cem passos...
A cada passo, cem descompassos...
A cada passo,
uma pergunta, cem impossíveis respostas...
A cada passo,
é possível sentir a acidez do suspiro fatigado,
do gesto esfarrapado e de tantos olhares enviesados...
A cada passo,
à luz da escuridão e do cano prateado,
cem homens, mulheres e crianças são friamente descampados...
A cada passo,
amparados agora pelo asfalto sujo,
cem barracos são armados no absoluto gesto dos despejados...
A cada passo,
o martelo da justiça sentencia,
sonhar só é possível dentro da lei...
A cada passo,
já não queremos lembrar de onde vem tanta miséria,
se da falta de amor ou do excesso de direito...
A cada passo,
percebemos que já não são simples perguntas sem respostas,
mas interrogações descartadas, abandonadas...
A cada passo, cem passos...
A cada passo, cem descompassos...
A cada passo,
um murmúrio, cem olhares e cem beijos rasgados...
A cada passo,
um descarnado canta, cem cantos, cem sentidos...
A cada passo, um ronco sem segredos.
A cada passo, um enigma, centenas de mistérios...
A cada passo,
cem papéis são descolados, largados e jogados
no asfalto dos desencantados.
A cada passo,
há cem flores secas caídas no chão,
cem desamores fugindo do cão,
um grito clamando por atenção.
A cada passo,
um louco, uma puta,
um miserável pedindo por humilhação.
A cada passo,
sem pegadas, sem rastros,
cem destinos cansados,
porém, perpetuamente apressados, com-prensados.
A cada passo,
a copa da árvore balança ensaiando a dança dos ventos.
A cada passo,
um redemoinho de metal
atravessa a incomensurável avenida
oferecendo suas cores de plástico...
A cada passo,
cem prédios acendem simultaneamente,
cem luzes, espantando a escuridão.
A cada passo,
cem abraços apertados sussurram compreensão.
A cada passo,
cem estrelas despontam no céu,
uma lua desponta no olhar
e uma saudade brota no coração.
A cada passo,
cem viagens, cem canções,
uma palavra de consolação.
A cada passo,
cem versos amargos são escritos e abandonados.
A cada passo,
cem bêbados brindam a vida espantando a morte.
A cada passo,
um pássaro arranha-céu
mergulha velozmente para o infinito.
A cada passo,
a cada metro, em cada esquina,
uma densa nuvem de fumaça cobre as torres de cimento.
A cada passo,
no meio da multidão um segredo confessa solidão.
A cada passo,
cem retratos desbotados não revelam uma imaginação.
A cada passo,
aquele encontro tão esperado não quer mais compreensão.
A cada passo,
em cada sinal, em todas as ruas, em todos os bares,
cem crianças vendem coisas esperando por redenção.
A cada passo, cem quadras vazias,
A cada passo, cem avenidas coloridas,
A cada passo, cem palavras roubadas,
A cada passo, cem esperanças perdidas,
A cada passo, somos devorados pelo cimento monstro da criação.
A cada passo,
nós aqui,
no trânsito eterno das ilusões.
cortaruas, São Paulo, julho de 2002.
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